
Eu cheguei cedo demais no escritório e, por isso, desci para comer um bolo de brigadeiro (é um bolo maravilhoso). No meio desse processo, a luz no condomínio acabou, me deixando com meu bolo de brigadeiro, treze andares abaixo do escritório.
Tirei mais um cochilo e fui acordado por uma das garotas que trabalham por ali. A luz já havia voltado e eu podia subir.
Fui lá, paguei meu bolo e minha coca e estava saindo quando eu a vi pela primeira vez. Eu segurei a porta para ela, mas não porque eu quis. Na verdade, eu não tive escolha. Todo meu corpo paralisou quando eu vi aquela garota maravilhosa passando pela porta e agradecendo com um pequeno sorriso e um aceno com a cabeça. Agradeço a Deus pelo piloto automático, senão era capaz de eu estar ali até agora segurando a porta.
O dia foi todo pensando na garota. No jeito que ela estava vestida, na cor do cabelo, na cor do batom, no jeito que sua pele escura contrastava com o brilho de um imenso colar dourado que adornava seu pescoço, no tamanho daquele cabelo.
Perguntei para as garotas que cuidam da cantina se sabiam quem era. Elas não sabiam dizer, mas lembram de tê-la visto um dia desses passando por lá. Para encontrá-la de novo eu precisaria de muita sorte.
E sorte eu tive.
No dia seguinte, ela estava esperando o elevador. Digitei meu número e fui pro elevador C, o mesmo que ela estava esperando.
– Bom dia – disse eu, bastante envergonhado
Ela acenou com a cabeça, da mesma forma que ontem.
Entramos no elevador. Ela desceu no sexto andar, no co-working, e eu fui para o décimo terceiro.
Contei para todos os meus colegas da empresa sobre a garota. Veja bem, antes do acontecimento do elevador, eu imaginei que tinha sonhado, ou algo assim. Eu ainda não estava totalmente convencido de que eu não tinha visto Iemanjá encarnada na minha frente. Iemanjá de tailleur vermelho sangue e batom.
Passaram-se mais uns dias e nada dela aparecer. Uma semana, duas. Nada.
– E aí, viu sua musa mais uma vez? – perguntou Jorge, um cara que trabalhava comigo.
– Nada, cara. Acho que ela nem existe.
Fui almoçar sozinho, como de costume. Chegando perto do Wendy’s que tinha na esquina, eu virei minha cabeça para acompanhar o cheiro de batata-frita. E lá estava ela, sentada no segundo andar!
Entrei na fila do Wendy’s.
Quando estava finalmente pedindo, a vi descendo as escadas e saindo do estabelecimento. Ela estava diferente agora. O que antes era o mais bonito black power que eu já tinha visto havia dado lugar a uma cabeça raspada bem baixinho. O colar dourado foi substituído por uma tatuagem de rena branca com uns padrões que eu supunha serem indianos e a roupa era larga, como um manto verde bandeira.
Eu.
Não.
Tenho.
Estrutura.
Fiquei mais um tempo sem vê-la, mas meu pensamento tinha a cor daquele manto verde.
E mais um tempo.
Elevador C.
Dessa vez eu estava esperando o elevador quando ela apareceu, digitou o número 6 e se juntou a mim.
– Bom dia.
Ela disse “Bom dia”! Essa era a primeira vez que eu ouvia aquela voz, e era uma voz suave, mas grave. Um leve sotaque de Minas que eu conheço bem.
– Bom dia.
Fomos em silêncio até o sexto andar. Quando a porta abriu para ela desembarcar, eu, num impulso insano:
– Desculpa, mas, você conhece algum lugar bom para comer por aqui? – Eu conhecia muito bem, só queria puxar conversa – Eu não aguento mais comer no Wendy’s, hahahaha – Era mentira, amo Wendy’s <3
Ela foi pega de surpresa, mas falou:
– Ah, às vezes eu como no Manjericão aqui no prédio do lado, mas muitas vezes eu vou no Iguatemi.
– Ah, que legal. Valeu pela dica.
– De nada. – Sorriu e se foi.
Portas fecharam.
Eu podia tê-la chamado para sair? Podia. Eu tenho capacidade corajosa para isso? Não, não tenho não.:(
Eu não a vi mais depois disso. Eu sei que ela poderia ser um delírio de longo prazo, mas eu preferi acreditar que ela de fato exista. Afinal, quando eu fechava os olhos eu ainda conseguia imaginar sua voz saindo de um brilho verde bandeira.
– Bom dia. – Uma voz familiar me cumprimentou aqui na cantina. Será que meus olhos estão fechados?

Patrick Villela