A Cerimônia do Adeus



Não fingimos que estava tudo bem. Não seria justo. Mas concordamos em decidir mais tarde o que decidir sobre nós, e aproveitar as horas que faltavam para a chegada de meu ônibus, o último do dia.

Assistimos a um filme juntos. Se não fosse bom, seria, no mínimo, algo para abafar o silêncio e me impedir de pensar demais, de sentir demais. Algo para dizer que assistimos, que fizemos um com o outro e apesar do outro.

Trocamos carícias como se estivéssemos mais apaixonados que nunca. Seu cheiro me pareceu mais intenso, seu toque, arrepiante. Mas havia uma urgência nos toques. A certeza do fim, de saber que não tinha mais conserto, fez tudo mais intenso e interessante. Mas também mais frio, pragmático. Você não me mordia mais, e nem eu a ameaçava com cócegas. Não conseguíamos mais rir, e nossos beijos se tornaram longos, de olhos entreabertos, desconfiados.

E eu não sei descrever o que eu via nos seus olhos. Só sei que, se ainda era amor, não era mais como antes. Nunca mais seria como antes. E sei, também, que eu me enxergava no reflexo de seus olhos. E me enxergava feio, mau, incômodo. Longe de você.

Eu já sentia saudades antes mesmo do adeus.

Mesmo infeliz, mesmo sabendo que não haveria próxima vez, e que não seria possível resolver nossas diferenças, eu desejei que o filme não acabasse mais. Que não existissem mais ônibus para casa, que o sol não se pusesse mais, e que pudéssemos postergar o fim para depois e para mais tarde e ainda mais tarde. Que eu pudesse ficar em seus braços por mais um dia, e mais um dia, e nunca precisar tomar qualquer decisão que me levasse para longe de você.

Nós nos soltamos no instante em que os créditos começaram. E eu não tive coragem de olhar pra você. Especialmente para os seus olhos.

Nós nos despedimos com poucas palavras, nenhuma delas definitiva. “Pensar no caso”, “refletir um pouco”, “depois a gente se vê”, e um abraço como os de sempre – não fosse o fato de ser o último.

Cheguei em casa com o seu cheiro, com meus lábios sentidos. Tomei um banho e escovei os dentes. Só não soube o que fazer para espantar o vazio que sua falta deixou.

-guy

Texto de autor convidado para o aniversário de 5 anos do Degradê Invisível