Resenha: A Menina Submersa

“Os
que mergulham abaixo da superfície o fazem a seu próprio risco.”
-Oscar Wilde
Nunca houve um livro que me
desse tanto medo de falar a respeito.
Parte de mim ainda acha que só estou
escrevendo essa resenha para usar oportunamente uma citação de Oscar Wilde em
que esbarrei. A outra parte sabe que eu encontraria um motivo para falar desse
livro nem que fosse num episódio de Galinha Pintadinha.

Para a maioria dos leitores isso poderá
parecer uma escrita pouco coesa ou coerente, mas o que Kiernan faz tão bem é
associar a forma de escrita a psique de suas personagens, ensinando ao leitor a
face da verdadeira loucura, principalmente para aqueles que quando ouvem a
palavra já vão pensando em Johnny Depp vestido de Chapeleiro Maluco.
O texto muitas vezes faz referência a si
mesmo e a acontecimentos reais... assim como a acontecimentos fictícios, sem
qualquer distinção. É um dos únicos livros que já li que ressoa genuinamente
como o diário pessoal de alguém, fazendo o ato de lê-lo parecer quase obsceno,
como olhar por tempo demais nos olhos de um desconhecido, desesperado com a
possibilidade dele te perceber e ao mesmo tempo incapaz de parar de olhar.
Em seu cerne “A menina submersa” é uma
história de fantasmas, uma história de fantasmas repleta de sereias e
lobisomens, florestas de suicídio e oceanos de concreto. As assombrações de Imp
são apenas tão reais quanto as memórias que ela tem delas, fazendo o leitor
aprender a duvidar de suas palavras tão cedo ela as põe no papel.
Kiernan aborda vários temas difíceis e
complicados e, à primeira vista, a escolha de abordá-los pode parecer como uma
mera jogada sensacionalista para atrair atenção; no entanto, qualquer rápida
pesquisa sobre a autora revela que se há alguém para abordar esses temas, esse
alguém é Caitlín R. Kiernan.
Enquanto a primeira metade do romance é uma
volta as lembranças incertas da protagonista e uma apresentação aos fantasmas
que as habitam, a segunda metade se torna um passeio mais profundo em direção
ao subconsciente da nossa querida Imp, mais ou menos como entrar no brinquedo
mais sinistro da Disneylândia, aquele que faz o Mickey querer arrancar os olhos
com as próprias mãos.
“A menina submersa: memórias” não é, de
maneira alguma, um livro fácil. Na verdade, eu ainda hesito em chama-lo de
livro.
No tempo que demorei para lê-lo, “A menina
submersa” continuava sempre aberta na minha estante, me assombrando com suas
palavras e suas sereias. Mesmo agora, ainda ouço sussurros dela na minha
cabeça, uma voz que dificilmente esquecerei tão cedo.


Vale ainda uma salva de palmas para o pessoal da DarkSide® Books e da Retina 78 pelo excelente trabalho com ambas as edições de “A menina submersa”. A capa da edição padrão é linda, com palavras dos mestres Neil Gaiman (“Sandman” , “O oceano no fim do caminho”), Peter Straub (“Os mortos-vivos”, “O clube do fogo do Inferno”) e Holly Black (“As crônicas de Spiderwick”). A edição limitada tem capa dura e com relevo e sem identificação, semelhante a um diário, com as bordas das páginas pintadas num tom (hic) louco de rosa choque. O livro também está disponível para os leitores digitais da Amazon (Kindle), Saraiva (Lev) e Cultura (Kobo).
“A menina submersa: memórias” é o meu livro
favorito.
Com certeza não é o melhor, nem o mais bem
escrito, mas é um livro que foi capaz de me tocar como muito poucos foram. É um
ode à loucura dos sonhos e de pensamentos diários, ao terror inerente a contos
de fadas e aos fantasmas que nos perseguem por toda a vida.
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